Naquele dia, tiramos a tarde para conversar, Jesus e eu. É um hábito que temos. Na verdade, como fazemos tudo juntos, conversamos o tempo todo. Mas às vezes o corre-corre da vida nos dá um descanso e nesses momentos gostamos de nos dedicar a meditações mais profundas.
A tarde estava simplesmente linda. O azul do céu era radiante, salpicado aqui e ali por nuvens de uma brancura impecável. Jesus, como sempre, ostentava um contagiante senso de humor, não deixando de sorrir nem por um minuto. Em um instante, observava o horizonte como quem compartilha com os céus um delicioso segredo, e no instante seguinte estava fazendo galhofas e piadas por qualquer coisa.
Caminhávamos sem pressa pela rua onde fica a casa de minha mãe em Uberlândia. É uma rua calma e tranqüila, onde as casas possuem jardins frondosos, com árvores de todos os tamanhos. Aves das mais variadas espécies fazem ali seus ninhos, e pequenos micos nos espiavam com suspeita por entre os ramos de uma grande Sete-Copas. Eu repartia com Jesus as lembranças da minha infância naquela rua e ele se divertia com as histórias da minha meninice. Contava-lhe como quebrei o braço ao cair do alto de uma árvore aos nove anos e ele ria, dizendo que era por isso que os micos me olhavam tão desconfiados.
Logo voltamos ao jardim da minha mãe e nos sentamos na grama, embaixo de uma velha Sucupira, ficando em silêncio por um instante. Não demorou para as lembranças se tornassem nostalgia, e a nostalgia em tristeza. Ou muito me enganava, ou os dias mais tranqüilos da minha vida tinham sido os passados.
Jesus, conhecendo o que estava em meu coração, se adiantou:
- Que se passa contigo?
- Senhor - comecei com dificuldade -, sei que não há nada melhor do que viver a vontade de Deus em nossas vidas, mas tenho passado por grandes tribulações...
Jesus passou o braço por sobre meu ombro e olhou-me com aqueles olhos ligeiramente rasgados, de uma viva cor de mel e que pareciam concentrar toda a força do universo:
- Estás aqui para dar testemunho e não deves desfalecer.
- Sim, eu sei. Mas certos obstáculos não são fáceis de se vencer. Principalmente os interiores...
Nesse instante, Jesus fez algo que por pouco não me passou despercebido. Enquanto eu falava ele olhou de lado, para uma pedra do tamanho de um limão que estava bem junto a nós, na qual eu não havia reparado ainda, e a virou de cabeça para baixo. Confesso que aquilo não me pareceu nem um pouco relevante, por isso não dei muita atenção. Então continuei:
- Sabe, Senhor, eu sei que Deus é bom, e que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. Mas por que então há tanta dor? Por que tudo é tão difícil? Por que tanto sofrimento?
- Sofreis porque estais mais preocupados com aquilo que experimentais do que com a glória do Pai. Por isso te digo: Não importa o que penses ter alcançado; enquanto suas lágrimas estiverem cheias de ti mesmo, elas se irão deste mundo como chegaram - sem nada.
- Senhor, não sei se compreendo...
- De onde julgas que vem o sofrimento?
- De todas as coisas ruins que acontecem na vida e no mundo.
Jesus sorriu novamente, e seus olhos brilharam como bronze polido, repletos de ternura e paciência. Quando voltou a falar, o fez como um pai ensinando a uma criança pequena:
- Filho, acreditas mesmo que coisas ruins te acontecem?
Aquilo me deixou desconcertado. Sinceramente, não soube o que responder. Então o Mestre continuou:
- O Reino de Deus é semelhante a um homem que se entrega a um médico para ser operado. Dizei-me, se é que podes: o que faz um homem entregar-se para ser entorpecido e cortado por outro?
- O desejo de ficar melhor?
- A Fé. O homem confia em seu médico porque entende a necessidade de ser tratado, conhece o propósito do procedimento e crê que a cirurgia, por mais dolorosa, invasiva e de difícil recuperação que seja, é sempre boa e necessária. Em verdade te digo que se vosso conhecimento de Deus fosse do tamanho de um grão de mostarda, saberíeis que os processos do Pai são sempre bons e necessários. No entanto, por desconhecer a natureza de Deus e Seu cuidado para convosco, experimentais a sensação de estar sendo drogados e cortados sem qualquer entendimento que dê sentido àquilo. Então sofreis a dor de quem tem suas expectativas feridas de morte por um assassino ao invés de desfrutar a consciência de ter sua natureza tratada por um cuidadoso cirurgião.
- Mas é necessário muita sabedoria para não sofrer com os obstáculos e problemas que temos na vida...
Jesus buscou novamente uma outra pedra e a virou de cabeça para baixo. Dessa vez, notei aquilo.
- A sabedoria é uma atitude. Ela nasce do meu Espírito, que já está derramado sobre vós. Se o sábio e o ancião não hesitarem em perguntar a um menino pelo lugar da Vida, viverão. Se vos disserem: Vede, vossa paz está no céu; então os pássaros do céu vos precederam. Se vos disserem que está no mar, então os peixes do mar vos precederam. Porém, eu te digo que a Justiça, a Paz e a Alegria do meu Espírito estão dentro de vós. Quando vos conhecerdes sereis conhecidos e sabereis que sois os filhos do Pai vivente. Então vos maravilhareis, e minha Justiça, minha Paz e minha Alegria reinarão sobre tudo. Mas se não vos conhecerdes, estareis na pobreza e sereis a pobreza.
- Senhor, eu olho a minha volta, para tudo o que passei, vivi e sobrevivi, e me maravilho. Mas também me entristeço.
- Eu te asseguro, Danilo, que todo aquele que sabe ver o que tem diante dos olhos receberá a revelação do oculto. Nada há oculto que não venha a ser revelado àquele que com todo o seu coração buscar ver.
- Mas como posso alcançar a sabedoria necessária ver o "cuidado do cirurgião" por trás dos meus problemas e das minhas lutas?
Então, virando de cabeça para baixo uma terceira pedra, Jesus disse: "Já te tenho dito, e uma vez mais o direi: a sabedoria é uma atitude".
Naquele momento, vencido pela curiosidade, perguntei: "Senhor, por que está mudando essas pedras de lugar?"
Então Jesus abriu aquele imenso sorriso, me piscou um olho e disse: "Ora, meu atrapalhado aprendiz de mico, para que até mesmo elas possam olhar o mundo e a Vida de um ponto de vista diferente".
Jesus sustentou aquele sorriso por mais alguns instantes, enquanto me olhava com aqueles olhos de falcão, e eu finalmente entendi. "Uma atitude", ele havia dito... Como pude demorar tanto para compreender?
Finalmente os olhos do meu coração se abriram e pude ver. Vi a Vida em seu contexto mais amplo. Vi que não há nada de errado com as coisas que eu experimento, e que tudo o deve ser melhorado, tratado ou corrigido sou eu mesmo. E nisso eu vi qual era o propósito de todas aquelas "cirurgias".
Vi com olhos de ancião e de menino; olhos de eternidade ao invés de imediatismo; olhos que vêem de um ponto de vista diferente. Confesso que até hoje, quando passo por desafios que ameaçam me fazer sofrer, mudo de lugar algumas pedras no caminho. É um lembrete de como ver a vida de outro ângulo. E Jesus, sorrindo, fica sempre me observando...
1 comentários:
Flecha certeira no meu coração.
Obrigada, primo-irmão abençoado por compartilhar esses momentos com Cristo.
Beijos
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