Uma Prova com Jesus



Como muitos de vocês já sabem, nos dia 26 e 27 do mês de janeiro deste ano de 2012, estive em Belo Horizonte realizando a última fase do concurso para cartórios (prova oral). Eu louvo a Deus pelas orações de cada um de vocês. Sem elas, eu não poderia ter vivido o que vivi.

Na verdade, todo o amor, o carinho e a amizade que eu e minha casa temos recebido de vocês testifica que não temos passado por nossos desafios sozinhos. Vocês são seguramente a parte mais importante de tudo o que estamos vivendo.

Por isso hoje, 28 de janeiro, às 08h11, suficientemente repousado após uma boa noite de sono, desejo compartilhar tudo o que me coube experimentar nesses intensos dois dias vividos em BH (talvez os mais intensos - física, emocional e espiritualmente - dos últimos anos). Não vai ser fácil resumir tudo o que vivi com Jesus lá nas Minas Gerais (afinal, foram dois dias inteiros!) e sei que alguns de vocês estão lendo essas linhas nos seus celulares, por isso me perdoem pela extensão do texto. Não sei bem se ele é para todos, mas certa vez Jesus me disse que estou aqui para dar testemunho e não foi em vão que optei por fazer desta forma.

Cheguei ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves por volta das 09h30. Eu havia dormido praticamente a viagem toda e quando dei por mim, o piloto já anunciava à tripulação o início dos procedimentos de pouso.

Para evitar o custo excessivo de um táxi, fui direto ao guichê da linha "Conexão Aeroporto", que oferece o trajeto em um confortável ônibus por R$ 19,90 - um preço mais que razoável (quem conhece BH sabe que uma corrida de táxi de Confins ao centro não sai por menos do que uma pequena fortuna). Comprei a passagem e fui informado que meu ônibus era exatamente aquele que estava ao lado e que partiria em apenas cinco minutos. Ou seja, nada de espera!

Não havia muita gente no ônibus. Uma vez lá dentro, sentei-me à janela e dediquei-me a contemplar a paisagem durante o longo trajeto (a viagem duraria cerca de uma 1 hora e 20 minutos). Não demorou para que eu começasse a pensar na prova que faria na manhã seguinte... Era a primeira vez que realizaria uma prova oral em concurso público. Eu seria avaliado por todos os oito membros da banca examinadora: Um Desembargador, três Juízes de Direito, um Procurador de Justiça, um Advogado representando a OAB, um Oficial Registrador e um Tabelião.

Senti o estômago revirar. De repente, eu era como um adolescente diante do grande vestibular da sua vida. Será que eu estava preparado para aquilo? E se me desse um "branco" na hora? Havia tanto o que eu não havia tido tempo pra estudar! E se me perguntassem algo que eu não fizesse idéia? Eu me conheço e sei o que uma vergonha dessas faria comigo... Meu coração acelerou e comecei a suar. E aquele frio na barriga... Eu era uma ovelha, sendo levada ao matadouro...

Jesus, sempre ao meu lado, percebeu minha angústia e disse:

- Por que afliges teu coração? Tende bom ânimo e confia que o Pai já preparou para tudo um fim mais que proveitoso.

Forcei mal e mal um sorriso e, em tom quase suplicante, disse:

- E imagino que o Senhor não vai me adiantar o "fim mais que proveitoso" dessa história, não é?

Foi uma pergunta estúpida, eu sei. Eu me sentia patético. Mas eu já estava começando a me apavorar e ainda faltavam quase 24 horas para a prova...

Jesus, que olhava descontraidamente para o caminho à nossa frente, virou-se pra mim. Ficou em silêncio uns poucos segundos, mas havia um universo de serenidade naquele olhar. Ele estava imensamente relaxado e aquela paz me alcançou... em parte. Então ele disse:

- Por que te preocupas tanto com o final, se nem sequer conheces o princípio ainda? Não estás aqui pelas razões que imaginas. Mas confia... deixa o Pai fazer. Tudo foi criteriosamente estabelecido de antemão...

Naquele momento, envolvido que estava com minhas próprias questões, não fui capaz de intuir o alcance do que o Mestre havia dito. Mas aquilo desviou (um pouco) minha mente do suplício que eu começara a temer e levou meus pensamentos em uma outra direção; o Pai, de fato, tem tudo estabelecido desde a Eternidade pela sua Graça. Mas então, por que certas regras? Sempre optei por seguir as orientações de Jesus (bem, quase sempre, confesso. Ainda estou aprendendo...), mas alguns "critérios" segundo os quais as coisas eram estabelecidas me pareciam "legalistas" demais. E resolvi me enveredar por esse assunto.

- Senhor, se com tua vinda a Lei foi cumprida, ainda que não revogada, por que ainda subsistem certas regras e normas na vida que vivemos?

Jesus pareceu satisfeito com a mudança de assunto e me revelou algo que eu não havia intuído ainda:

- Filho, sabes que vim para cumprir a Lei e disseste-o bem. Mas a Lei não está cumprida...

E diante da minha cara de espanto, arrematou:

- ...em verdade te digo que ela se cumpre em mim todos os dias.

Aquilo era novo para mim. "A Lei ainda se cumpre em Cristo, todos os dias..." Isso é algo em que ainda terei meditar por algum tempo... Mas eu estava intrigado e quis aprofundar ainda mais:

- Senhor, o que é a Lei? Quer dizer... Não apenas a Torá de Moisés ou a Mishná, mas todas as regras e critérios que Pai determina? Por que as coisas são como são? Por que não se pode conhecer o fim desde o princípio? Por que não me é permitido ...... [o que perguntei aqui foi algo que Deus não me permite fazer nem revelar]? Por que certos "fazer" e certos "não fazer"?

Jesus desviou o olhar apenas por um instante e me pareceu que escolhia cuidadosamente suas próximas palavras.

- Apesar das aparências, tudo ainda está por estrear. Aqui, tens a oportunidade de experimentar um privilégio único: viver pela Fé. Esse privilégio é exclusivamente vosso e deve ser desfrutado em sua plenitude... enquanto viveres nessa terra.

- E depois...?

Jesus abriu um sorriso maroto e logo captei a mensagem.

- Já sei, já sei... Vamos nos ocupar só em conhecer o princípio.

Jesus riu, satisfeito, e continuou:

- As regras são os marcos que vos conduzem à experiência de se viver pela Fé. Hoje, são parâmetros, nada mais. Ao longo do caminho, elas norteiam e guiam-vos até as próximas etapas, onde podem haver delicadas e profundas variações. Mas isso diz respeito ao vosso relacionamento pessoal com Deus e um não vive o que vive seu irmão, pois a verdade das verdades é que não são as regras que variam; Vós é que sois transformados à medida em que a Luz se faz. Por isso, acautela-te! Ai daqueles que se apegam ao rigor dos parâmetros e desprezam a fluidez da experiência de se viver pela Fé! Seu fanatismo os tornará cegos...

Minha cabeça funcionava a todo vapor, fazendo e refazendo conexões daquilo que eu sabia da Palavra de Deus. Lembrei-me dos primeiros versículos de Romanos 12, do texto de Gálatas 3, (em especial do verso 15 em diante) e tantos outros...

- Então quer dizer que a Lei ainda é necessária!

- Sim, meu filho, mas olhe para mim...

E eu olhei... Na verdade, mergulhei naquele indescritível olhar cor de mel...

- ...a Lei se cumpre em MIM, todos os dias!

Lembrei-me também do capítulo 5 de Mateus... em especial, dos versos 17 em diante... Jesus havia falado em "delicadas e profundas variações", à medida que éramos transformados... Eu realmente teria que ler Mateus 5 de novo!

De repente, me lembrei da "dúvida" levantada pelo Jovanil e pela Mariela no início da última reunião do nosso Pequeno Grupo. Jesus, conhecendo meus pensamentos, piscou-me um olho.

Muita coisa começou a fazer sentido para mim e aquilo me entusiasmou. Toda a Lei, e também as regras do nosso dia-a-dia, eram necessárias! Mas não basta a versão "imposta" das leis. Necessitamos da versão "cumprida" em Cristo, que encontra nele o seu propósito, todos os dias! Em suma: precisamos de Cristo, todos os dias, cumprindo em nós e através de nós todos os ditames que nortearão nossa caminhada até as próximas etapas do processo!

Então não resisti e disse:

- Senhor, quero entregar ao Pai cada vez mais todos os aspectos do que sou, fui ou posso ser. E que o Senhor não seja só meu "Executivo" e meu "Judiciário"... Seja também meu "Legislativo". Todos os dias.

Os maravilhosos olhos do Filho do Homem se umedeceram.

- Todos os dias, filho.

E nisso estávamos quando o ônibus chegou ao final da linha "Conexão Aeroporto". Segundo me informou o motorista, meu hotel ficava a três quarteirões de distância. Bastava seguir à esquerda, virar a primeira esquina à direita e seguir em frente.

Seguimos o caminho indicado em bom ritmo. Jesus ia com passos rápidos e largos, e eu tentando memorizar o caminho para não me perder na volta (quem me conhece bem sabe que sou péssimo com as rotas e trajetos). Vi na referida esquina uma grande agência da Caixa, e tomei nota mentalmente: na volta, era só virar à esquerda na "esquina da Caixa".

Passamos em frente a movimentadas lojinhas, mas o que me chamou a atenção foi uma pequena e bem afeiçoada mercearia, que também fazia as vezes de frutaria. E digo que chamou-me a atenção porque vi logo de cara umas suculentas ameixas frescas - uma das minhas fraquezas. Decidi que, se tivesse tempo, voltaria ali pra comprar algumas.

Chegamos no hotel Dayrell, onde ocorreria a prova. Era ali que eu ficaria hospedado.

Eram umas 11h00.

Tentei fazer o check-in, mas não pude; minha diária só se iniciaria às 12h00. Consultei meu relógio e expliquei a situação ao senhor responsável pela recepção: um homem que já aparentava mais de sessenta anos. Usava óculos, tinha uma cheia cabeleira, totalmente grisalha, espessas sobrancelhas (igualmente grisalhas) e um semblante taciturno. Tinha cara de poucos amigos.

O tal senhor aceitou guardar minha bagagem em um armário na recepção até que o check-in fosse liberado e resolvi ir até o Centro de Convenções do hotel, espiar a realização das provas daquele dia. Quem sabe a banca não repetiria algumas daquelas perguntas na minha prova? Afinal, não dá pra elaborar perguntas para cada um dos 1.800 candidatos sem repetir algumas...

O local onde a prova estava sendo realizada era um amplo auditório, com portas de vidro e um carpete cinza. À esquerda da entrada, havia uma pequena área reservada para quem quisesse assistir a prova, com umas quinze ou vinte cadeiras. O acesso era feito por um corredor separado daquele utilizado pelos candidatos que fariam a prova; nenhum contato era permitido entre candidatos e platéia durante o trajeto ou no auditório. No extremo oposto da entrada, duas mesas haviam sido montadas - uma do lado esquerdo e outra do lado direito. Cada mesa contava com três examinadores, sentados de frente para a entrada do auditório (mais tarde soube que os outros dois cuidavam da entrevista individual, realizada imediatamente antes da prova em outra sala).

Jesus não entrou no auditório comigo.

Cada candidato passava por uma mesa, onde era argüído por dois dos três examinadores, depois se dirigia à outra mesa, onde era argüído por outros dois. Os examinadores de cada mesa se revezavam nas perguntas, mas minhas expectativas de conhecer as questões de antemão não vingariam. Vi microfones e câmeras filmando três ângulos diferentes de cada mesa, Mas os microfones serviam apenas para a gravação da prova e a distância entre as mesas e a área da platéia não permitia que eu ouvisse uma só palavra.

Lamentando minha "má sorte", voltei ao saguão do hotel, onde uma TV noticiava o desabamento daquele prédio no Rio. E ali fiquei por um tempo, assistindo aos noticiários, até que vi um pequeno grupo conversando. Eram quatro pessoas, muito bem vestidas; três homens usando terno e gravata e uma mulher, também em trajes forenses. O instinto me alertou: com certeza, o assunto era a prova. Não me enganei. Eram pessoas que haviam acabado de fazer a prova e comentavam as questões.

Preparei-me para ir até eles mas, prestes a entrar na conversa, algo me incomodou. Na hora, não soube explicar o que era. Ou melhor, acho que soube. Foi algo que Jesus havia dito no ônibus: "Confia! já está estabelecido..."

Nesse momento, alguém pôs a mão no meu ombro; era Jesus. E disse suavemente, mas com firmeza:

- Vamos!

Dei meia volta e me dirigi ao balcão de check-in. Falei rapidamente com a Amanda ao telefone (não me lembro se liguei para ela ou se ela e me ligou), fiz o check-in e fui direto para o quarto. Inspecionei o cômodo: era amplo, com um closet razoável e um banheiro espaçoso. Porém, tudo muito antigo e parecia ter sido mobiliado há uns vinte anos. Devia ter sido um ícone de luxo nos seus melhores dias, mas isso certamente foi há muito tempo. O frigobar me pareceu algo saído de um desenho dos Flinstones; havia ainda uma TV (igualmente pré-histórica) e um ar condicionado, com o qual preferi não me arriscar. Um amplo armário, uma convidativa cama de casal, uma mesa e uma cadeira completavam o mobiliário, tudo na cor tabaco.

De um modo geral, as acomodações eram satisfatórias.

Não demorou para o estômago reclamar o que era seu de direito e resolvi tomar um banho e sair para almoçar. O recepcionista de cabelos grisalhos me informou de um tal "Shopping Cidade" a uns dois quarteirões dali e eu resolvi conferir, apesar de haver um restaurante no hotel. Achei que sair daquele ambiente fervilhando de gente de terno, com ares ansiosos e volumosos livros nas mãos era uma boa idéia.

Saindo do hotel, seguindo sempre as indicações do grisalho recepcionista, rumei à direita e, na esquina seguinte, à esquerda. Dali ao tal shopping, dois quarteirões de caminhada. Nada de relevante no trajeto, exceto uma tal "Feira Evangélica", que nada mais era do que um verdadeiro camelódromo - um comprido cômodo comercial, divido em "banquinhas" onde se vendia de tudo: camisetas, bonés, adesivos... tudo com versículos, promessas bíblicas, declarações de fé ou o nome de Jesus. Havia óleos para unção "preparados segundo as regras de Levítico", chaveiros feitos com "genuínas pedras de Jerusalém", réplicas da arca da aliança de vários tamanhos, prendedores de gravata, bandeiras de Israel, decantadores de vinho, envelopes para dízimos para todos os gostos, copinhos para "santa ceia", bandejas, trombetas do tipo "shofar" de vários formatos, broches para identificar as diversas funções na Igreja (vi alguns escritos "pastor", "diácono", "presbítero" e outros que não cheguei a ler), gazofilácios, candelabros, um sem número de modelos de Bíblias e outros tantos livros, além de quinquilharias que não parei para identificar.

Jesus seguia com seus habituais passos longos e sequer olhou para o interior da "Feira". Eu tampouco me senti tentando a entrar. Além do mais, meu estômago insistia em seus sonoros protestos...

O almoço na praça de alimentação transcorreu sem grandes novidades. Jesus esbanjava um excelente humor e desfrutava ao máximo cada minuto ali. Observava intensamente as pessoas que almoçavam, em pleno exercício das suas rotinas. Era fácil perceber que Jesus realmente saboreava aquele momento e seu sorriso simplesmente me iluminava. Iluminava a tudo.

- Muitos dentre eles estão louvando. - comentou encantado, a certa altura.

Olhei ao redor e não notei nada de mais. Então disparei:

- Senhor, não é feio louvar de boca cheia?

Jesus gargalhou com vontade, até lacrimejar e, enxugando os olhos, disse:

- Não se teu coração estiver igualmente cheio!

Não havia como não ser contagiado... Jesus estava feliz. Plenamente feliz. E, naquele momento, a alegria do Senhor renovou minhas forças...

De volta ao hotel, baixei os olhos e me dirigi aos elevadores. Não queria sequer ver qualquer ser humano de terno ou com um Vade Mecum aberto, mas a verdade é que era inevitável! Havia "concurseiros" para todos os lados e a ansiedade no ambiente era tangível.

Já no quarto, com aquele frio na barriga que voltara a me assaltar desde o elevador, pensei em abrir meu notebook para rever algumas anotações. Uma estudadinha de última hora, quem sabe? A tarde estava só começando e eu já não tinha mais nada a fazer naquele dia...

Me acomodei na cama e abri meu notebook, mas então notei como Jesus me olhava, sentado na cadeira de cor tabaco, bem em frente à cama. Ostentava um semblante ao mesmo tempo grave e curioso.

Improvisei o melhor que pude:

- Senhor, eu estava pensando... talvez devesse dar uma olhadinha na matéria de civil... as teorias objetiva e subjetiva da posse, sabe?

(Meus Deus! Quão rápidos nós somos em oscilar entre a liberdade da alegria de Cristo e a opressão das nossas ansiedades! Novamente eu me sentia sob o peso daquela enorme pressão. Uma pressão acumulada de há muito...)

O Mestre apoiou os antebraços sobre as coxas, entrelaçando os dedos e me lançou aquele olhar de eterna paciência, fazendo-me sentir a mais cabeçuda de todas as criaturas.

- Danilo, crês em mim?

- Claro, Senhor! Com todo o meu coração...

- Então, crê também no que digo. Tudo já está estabelecido. O Pai tem enviado seus anjos para preparar-te caminho... para que cumpras teu propósito aqui. E isso acontece agora, enquanto falo contigo. Mas deixa o Pai fazer.

Suspirei e não resisti. Meu coração estava apertado por demais e eu tinha que botar aquilo para fora.

E foi o que fiz. Falei, falei e falei. Confessei os meus temores, receios e minhas expectativas. Falei de como eu gostaria que as coisas fossem e do que eu gostaria de fazer, e por quem. Falei dos meus sonhos e do meu chamado ministerial. Falei da minha família e das minhas preocupações. Principalmente, falei do meu medo em fracassar. Devo ter falado sem parar por quase meia hora (ou foi o que me pareceu). Chorei mais de uma vez...

Jesus me deixou falar. Ele ouviu em silêncio, com muita, muita atenção. Eu rasguei ali meu coração e ele me ouviu. Não consigo expressar como lhe sou grato.

Quanto terminei, Jesus veio e assentou-se ao me lado. Tê-lo comigo sempre me faz sentir mais leve. Então, passando o braço por sobre meus ombros, disse:

- Filho, a ansiedade esforça-se para apagar a Luz que lateja em ti e que foi depositada aí precisamente para vencer o medo. Sabes do que falo?

- Do Amor. - respondi, enxugando o rosto - O perfeito Amor lança fora todo o medo.

- Sim, e é por isso que estás aqui. Tua prova já está feita. - e repetiu com  ênfase - Já está feita! E o resultado, definido. Mas tudo isso são apenas os andaimes que circundam o que realmente vieste edificar nesse lugar. Não viestes aqui definir teu futuro, querido filho. Viestes porque ele já está estabelecido.

Me lembrei que Jesus havia sugerido algo nesse sentido quando estávamos no ônibus. Então o Mestre arrematou:

- Estás aqui como um embaixador do Amor do Pai, para viver uma experiência de Fé. E nisso meu Pai te será ainda mais conhecido. Agora, descansai e deixai o Pai coser o amanhã...

Aquilo entrou mais ou menos em meu coração, mas de fato eu precisava de descanso. Estava exausto da viagem e de toda aquela tensão. Liguei para minha mãe e logo adormeci. Talvez fossem umas 15h00...

Meu relógio devia estar marcando umas 17h00 quando acordei. Tomei um banho, li um pouco, assisti TV e tomei outro banho. Eu ainda estava agitado...

Por volta das 20h30, jantei uma saladinha leve e voltei ao quarto. Meu coração, teimoso, insistia em se apertar e eu olhei pra Jesus com aquela cara de cachorro-quando-quer-um-naco-da-carne-do-prato-do-dono. Jesus, olhando-me com aquele olhar que envolvia, que sabia de tudo, limitou-se a dizer:

- Confia! Todas as coisas virão... pelas mãos do Pai. Cuida tão somente de fazê-las tuas...

Suspirei um "amém" e tentei conciliar um sono. Mas não foi fácil. Não foi nada fácil...

* * *

Meu celular despertou-me às 06h00. Tomei banho e desci para o café.

O restaurante ainda estava vazio. Talvez houvessem ali umas seis ou sete pessoas. Optei por quebrar o jejum com uma refeição frugal: um copo de iogurte de morango, uma fatia de mamão, seguidos de uma xícara reforçada de café e uma fatia de pão de forma.

Voltei para o quarto e me esmerei na indumentária: terno cinza, em corte italiano, uma camisa de um lilás muito sutil, sapatos pretos e gravata preta com uma discreta textura cinza (comprei os sapatos e a gravata especialmente para aquela prova). Falei novamente com a Amanda (ela sempre me liga antes das minhas provas, para desejar "boa sorte") e ela tratou de me contar sobre o sucesso que havia sido o desfile no Studio Y - certamente querendo aliviar a tensão pré-prova. Não funcionou muito bem. Meu aflito coração batia a 1000 km/h...

Desliguei o telefone e olhei para Jesus. Ele me estudava com atenção. Por fim, sorriu e disse:

- É chegado o teu momento. Não te preocupes com a prova, eu serei contigo. Cuides tão somente de estar atento ao Pai todo o tempo. E lembra-te: não desperdices teu tempo requerendo resultados. Estes, já estão estabelecidos.

Jesus falava da minha prova, suponho.

- Senhor, meu coração parece que vai explodir! Se não sobre a prova, sobre o quê devo falar com o Pai em uma hora como essa?

Jesus deu largas ao seu sorriso e disse:

- Talvez devas começar pelo assunto dos louvores de boca cheia...


Entrei no elevador e permaneci encarando-me no espelho até chegar ao térreo. Mecanicamente, fui até a mesa de identificação dos candidatos, próximo ao temido auditório. Apresentei os documentos requeridos, tive meu celular e iPad desligados e lacrados em um envelope (livros ainda eram permitidos), submeti-me a uma revista por um detector de metais e fui conduzido a uma saleta retangular, onde os candidatos aguardariam a convocação nominal para a entrevista individual e para a prova. A sala era menor do que deveria e os candidatos se amontoavam em cadeiras que ocupavam toda a sala. Havia banheiros reservados para uso exclusivo dos candidatos (a partir da entrada naquela sala, nenhum contanto externo era permitido) e o acesso exigia nova revista por detectores de metais. Ventiladores de teto faziam o possível para refrescar os ânimos de todos, mas aquilo era a ante-sala do matadouro; a tensão naquele lugar pesava uma tonelada.

Com dificuldade, localizei uma cadeira vazia no fundo da saleta. Resignei-me. Passaria a manhã inteira ali.

E assim, lá estava eu, cercado de gente estralando os dedos, mexendo freneticamente as pernas ou tentando decorar tudo o que fosse possível naquela última hora. Era difícil não ficar ansioso, mas comecei a orar.

Confesso que, por duas vezes, me peguei pedindo ao Pai que direcionasse as questões para os assuntos que eu conhecia ou para que simplesmente permitisse que eu fosse aprovado. Mas logo me lembrava das insistentes palavras de Jesus: "Confia..."

Olhei ao redor e pensei: "será que alguém aqui está louvando? Acho que não..."

Então, me dei conta que nem mesmo eu estava louvando! Como era possível não ter percebido isso antes?

Estendi a mão a um grande vaso, contendo um coqueiro artificial rodeado por cascalhos brancos que estava perto da minha cadeira, virei algumas pedras de cabeça para baixo e comecei a louvar a Deus. Louvei-o pelo privilégio de ter chegado tão longe no concurso, pela facilidade de conseguir hospedar-me no hotel onde seria realizada a prova.... Louvei pela viagem, por tantos amigos, verdadeiros irmãos, que oravam e torciam por mim...

Louvei pela Amanda, ousada o suficiente para sonhar meus sonhos comigo, pelo meu cartoriozinho em Santa Bárbara de Goiás, onde pude aprender tanto. Louvei por minha casa e pela de cada um de vocês, meus amigos... Principalmente, louvei a Deus por Cristo Jesus e seu imenso Amor. Quanto a isso, não há palavras... Simplesmente não há palavras...

E louvei também pelos meus companheiros concurseiros. Olhei ao redor e, talvez pela primeira vez naquele final de semana, vi rostos ao invés de ternos e gravatas. Eram pessoas! Meus irmãos! E estavam bem ali, comigo... Tínhamos um grande desafio e estávamos onde estávamos... Mas estávamos juntos!

Dei logo um jeito de puxar assunto com o homem que estava ao meu lado e  soube que se tratava de um advogado chamado Flávio. Era casado e tinha duas filhas. A esposa estava grávida do terceiro...

Fui conversando com ele e puxando outros para a conversa... Não demorou até haver uma turminha conversando conosco.

E eu pude conhecer meus irmãos. Soube de seus projetos e ambições... Conheci alguns problemas de família; um bacharel em direito chamado Leandro estava a dois anos sem falar com a irmã, e uma outra candidata (não cheguei a saber seu nome) achava que o concurso era a melhor maneira de ficar longe do  "insuportável do seu marido". Havia tudo isso e muito mais...

Eu ouvi a tudo com atenção e alegria. Tanto aos mais jovens como aos mais velhos. Foi um verdadeiro privilégio conhecer o coração daquela gente e pude aprender muito. Eu ri com eles de algumas das suas histórias e pude ver o quão difícil foi pra alguns outros chegar até ali.

Acima de tudo, compartilhei com eles do Amor do Pai. Disse a eles do milagre que foi meu casamento, minha nomeação a um cartório em Goiás e de como Deus é fiel. Falei e falei... No fim, estava dando-lhes ânimo(!!!). E, juntos, demos força uns aos outros.

Foi uma manhã especial.


Meu relógio devia estar marcando algo por volta das 11h30 quando fui chamado para a entrevista individual. Recolheram-me o envelope lacrado e o livro que não cheguei a abrir e encaminharam-me a outra sala. Minhas mãos começaram a suar e o teimoso coração disparou de novo...

Era chegada a minha hora.

Jesus, na porta, piscou-me um olho.

Entrei na sala e me vi diante de uma mesa pequena, na qual estavam assentados o Desembargador presidente da banca examinadora e uma juíza que me pareceu familiar. Eu já a havia visto, mas guardei silêncio. Não tinha certeza.

Cada um deles tinha diante de si um notebook e notei que o presidente da banca tinha uma grossa pasta-arquivo (umas 200 folhas) com meu nome e uma foto minha na capa. Era o "dossiê", com o resultado do teste psicotécnico, do exame psicológico, das etapas anteriores, as cartas de recomendação enviadas, as informações prestadas a respeito do candidato, os títulos apresentados e sabe-se-lá-o-que-mais a banca tinha de informações de cada um dos candidatos.

Desejaram-me um cordial "bom dia", e pediram-me que sentasse. Obedeci.

Os examinadores se mostraram bastante tranqüilos e, apesar da formalidade, me senti bem recebido. A entrevista, na verdade, transformou-se em um breve conversa. Aquela magistrada havia sido juíza em Uberlândia, e descobrimos que ela conhecia muito bem minha mãe (advogada) e meu tio (juiz aposentado). O Desembargador também conhecia muito bem meu tio e ficou encantado em saber que agora ele é avô. A conversa transcorreu bem, e eles quiseram saber um pouco da minha experiência com a advocacia, em Uberlândia. Respondi a tudo, o melhor que pude.

A Juíza, comparando minhas notas na primeira e segunda fase do concurso, pediu que explicasse a significativa melhora. Fui logo dizendo:

- Excelência, esse foi um presente de Deus para mim! Depois de haver feito a primeira fase, há uma quinzena do meu casamento, fui convidado para assumir um cartório em Goiás e lá o exercício da atividade notarial e registral tem me ensinado muito...

E mais uma vez fui testemunhando o que Deus tem me permitido viver nesses dias e o quanto tenho aprendido. Eles me ouviram com atenção.

Ao final, o Desembargador estendeu-me a mão e limitou-se a dizer:

- Doutor, creio que isso é tudo.

Levantei-me, cumprimentei-o e agradeci por tudo. Virei-me para a Juíza, estendi-lhe a mão e ela, cumprimentando-me, disse:

- Vejo o senhor na cerimônia de posse!

Entendi aquilo como uma maneira gentil de se desejar "boa prova", usada provavelmente com todos os candidatos, e saí da sala.

Do lado de fora, um auxiliar do tribunal me aguardava e me caminhou ao corredor reservado aos candidatos e que levava ao auditório de provas, propriamente dito.

O bendito corredor parecia não ter fim e meu pobre, lerdo e estúpido coração começou a agitar-se de novo. Mas quando entrei na sala, vi que Jesus já estava lá e aquilo voltou a me acalmar.

O Senhor estava comigo.

Identifiquei-me novamente na entrada do salão e fui encaminhado à primeira bateria de perguntas, na mesa do lado direito (tendo a entrada como referência), ao fundo do auditório. Sobre a mesa havia três notebooks (um para cada examinador), quatro microfones (um voltado para mim) duas coletâneas de leis (Vade Mecum) para consulta dos candidatos e algumas pastas. Havia câmeras e um operador de áudio e vídeo, além de alguns seguranças ao longo do auditório.

Novos cumprimentos, sempre muito formais, e um lacônico: "Por favor, sente-se".

Sentei-me, e meu mundo desabou.

Não sei explicar... Simplesmente não pude me controlar! O pânico me invadiu! Minha garganta ficou imediatamente seca e sequer fui capaz de ler o nome dos examinadores diante de mim. Não sabia quem era o advogado, os outros juízes ou o Procurador de Justiça. Não sabia se o Tabelião ou o Oficial de Registro estavam naquela ou na outra mesa. Não sabia nada! EU NÃO SABIA NADA! Senti-me tentado a falar qualquer coisa e a sair dali o mais depressa possível...

Mas eu ouvi uma voz dentro de mim. Não era a voz de Jesus... Acho que era minha. Eu disse a mim mesmo: "Confia!"

Sei que em algum lugar naquele auditório, Jesus sorriu.

Tentei me acalmar e respondi as duas primeiras perguntas. E vi o Pai fazendo seu trabalho! Eu não sabia as respostas quando ouvi as perguntas, mas quando comecei a respondê-las, o que saiu da minha boca era mais do que o que eu poderia ter respondido. Além disso, algo mais aconteceu. Não sei bem o que foi, mas pude sentir enquanto acontecia. Algo se operou ali...

Deixei a primeira mesa meio atordoado, mas mais confiante. Tomei um pouco de água e aguardei ser chamado à segunda mesa. Não demorou.

A segunda mesa era idêntica à primeira, contendo os mesmos objetos. Computadores, câmeras, microfones, livros e pastas. Recebi outros "bom dia"s e retribuí outros tantos.

O examinador ao centro da mesa pediu que dissesse meu nome completo ao microfone e eu o fiz. Ele então olhou de relance para minha pasta e me perguntou:

- O que o senhor é do Dr. Armando Ferro?

- Sou seu sobrinho, Excelência...

- Hmm... Falávamos dele hoje mesmo...

Não soube se aquilo era bom ou ruim. Em se tratando de política interna de Tribunal, nunca se sabe...

Então vieram as perguntas e aquilo foi igualmente inexplicável. Não posso dizer  exatamente como, mas a resposta da primeira pergunta "caiu do céu no meu colo". Em verdade, ambas as perguntas tinham como resposta o exato texto da lei. E os livros com as leis estavam ali, para consulta. Simples assim...

...mas nem tanto. Vamos por partes:

Saí da prova sem saber o que pensar. O que aconteceu ali? Até agora ainda não sei...

A coisa toda durou não mais que 20 minutos. Saí de lá e repassei a prova mentalmente... Reavaliei minhas respostas e acabei encontrando um furo! Como fui tonto! Estava nervoso e não me atinei na hora... A primeira questão era sobre Tabelionato de Notas e eu dei a resposta certa, mas incompleta! Como fui me esquecer daquilo? Só podia ser o nervosismo! Já havia visto aquilo um milhão de vezes...

Minha vontade era voltar correndo pro auditório e responder de novo, mas aquilo era loucura...

Indignado, fui direto ao saguão do hotel, fazendo uma meticulosa revisão das minhas respostas. Eu já não estava mais tão seguro delas e comecei a duvidar também da resposta que dei à questão de direito empresarial... Havia acertado? Ao menos em parte? Alguma parte?

Aquilo foi demais para mim! Depois de uma manhã inteira naquele lugar, eu precisava de ar fresco e luz do dia...

Saí do hotel e, do lado de fora, liguei para a Amanda. Ela havia me pedido pra ligar assim que saísse da prova, e eu o fiz. Mas estava agitado demais! Eu andava sem parar, de um lado para o outro, dando vazão a toda a minha frustração. Eu podia ter ido melhor! Eu sabia que sim! Aquela era a minha chance... E agora havia passado.

Falei umas mil coisas ao mesmo tempo e desliguei o telefone. Quando me virei, dei de cara com Jesus. Ele estava imóvel e muito sério. Fitava-me sem pestanejar, mas, apesar da seriedade, seu olhar estava carregado daquela peculiar serenidade.

Fiquei paralisado! Meu ansioso coração havia me traído, mais uma vez, e Jesus sabia! Acabei abaixando a cabeça...

Mas percebi quando o Mestre foi lentamente erguendo a mão esquerda, sem deixar de me atravessar com aquele olhar, me oferecendo algo que segurava. Quando olhei, identifiquei logo o que era: uma das suculentas ameixas frescas que eu havia visto na mercearia-frutaria no dia anterior! Então ele disse:

- Por que te esforças tanto em saborear o amargo, quando, comigo, podes desfrutar do que é doce?

Acho que fiquei mais vermelho que a ameixa. Tomei-a em minhas mãos e mordi. Jesus tinha razão: estava dulcíssima.

Ele, de fato, tinha toda a razão...

Seus olhos cor de mel se iluminaram. E um sorriso, a princípio distante, foi amanhecendo em seu rosto.

Tive que segurar o choro.

Ele aguardou satisfeito enquanto eu finalizava a ameixa. Então, terminando de desenhar o sorriso, pousou suas mãos sobre meus ombros e disse:

- Será que não vês? Esquece os resultados... O Pai cuidará para que cheguem no tempo certo. Então dirás que não foi por teus esforços ou que são teus os méritos... Quando, enfim, verdes a ti mesmo aprovado, saberás que, como o último, terás te desvelado, como quem busca os cachos da videira depois dos vindimadores. E verás que terá sido pela benção do Senhor que terás te adiantado e, como vindimador, enchido teu lagar. Isso porque não é só para ti que te dedicas. Então, ajuda sempre a teus irmãos com o peso que lhes cabe e não te ocupes tanto com o final. É experimentando intensamente cada etapa dos processos, como as que vivestes aqui, que conhecerás a Deus. Bem-aventurados são aqueles que se entregam à vontade do Pai, porque estarão mais perto da Verdade!

Então o abracei e deixei a alma naquele gesto. Jesus soube, percebeu, e me abraçou com mais força. As lágrimas vieram, e todas as minhas angústias foram descarregadas no Filho do Homem.

Entrei no hotel, me troquei e fiz o check-out. Do trajeto ao aeroporto, mal me lembro. Eu tinha muito em que meditar.

Embarquei em Confins às 16:50 daquela inesquecível sexta-feira, 27 de janeiro de 2012 e, após uma conexão em Brasília, desembarcava em Goiânia às 20h30. Desejava pôr no papel tudo o que estava em meu coração, mas a verdade é que estava exausto. Física, mental, emocional e verdadeiramente exaurido. Cheguei na casa do meu primo, encontrei ânimo para comer algo em uma cantina de massas ali perto (o estômago também sabe ser persuasivo) e caí na cama.

Se serei aprovado nesse concurso? Nem faço idéia! Qualquer avaliação oral é subjetiva demais pra que eu arrisque um palpite, então talvez não seja dessa vez. Mas que importa? Vivi uma tremenda experiência com Jesus, onde pude plantar valiosas sementes no coração de vários irmãos naquela saleta apertada. E se ao menos uma vingar, tudo já terá valido a pena. O resultado - aprovado ou reprovado - ficou por conta do Pai, como não podia deixar de ser.

Quanto a mim, jamais esquecerei o sabor daquela ameixa.

Em testemunho da Verdade;

--Danilo.



2 comentários:

Fernanda disse...

Dan...que lindo....fiquei super feliz com essa sua experiencia e super emocionada tb... nao sei pq mas me vejo chorando até agora!Que benção hein!!!!
Que vc continue sendo abençoado assim!!!
Bjinhos e saudades
Fernanda(sua prima mais querida!rsrrsrsr)

Danilo Ferro Oliveira disse...

Que Deus abençoe muito você e o João, Fer!!! Vocês são demais!!! Obrigado pelo carinho, viu? E tamo junto nesse desafio de ser concurseiro...

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